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27 de jan. de 2009

Retrato da minha vida


De que me servem os murmúrios, os lamentos?
Eu tenho esperança (fé).
Esperança em Deus no novo dia que vai surgindo.
Que eu vou desenhando e
que vai se desenhando.
Mais favorável do que o anterior, espero.
O que não consigo realizar por mim mesma,
basta uma palavra do meu Deus,
E então, as águas amargas da minha vida se tornarão doces,
como doce é o mel.
O que não aconteceu ontem,
pode muito bem acontecer hoje.
Aprendi:
O tempo é de Deus e forte aliado na minha jornada.
Cada dia que nasce me aproximo mais da vitória,
que pode ser daqui a alguns segundos, amanhã, sei lá!
Há quem diga que quem sabe faz a hora,
não espera acontecer.
Concordo? Em parte.
Há detalhes da minha história que posso construir.
Mas, existem pontos que transcendem à minha vontade.
Eu não me entristeço muito se as coisas ontem não aconteceram exatamente do jeito que eu queria.
O dia nasce e tudo se faz diferente.
Acordo e percebo que ainda tenho fôlego.
Vida e esperança para mim caminham lado a lado.
Se nada acontecer, penso:
vai ser diferente amanhã;
um novo dia,
um novo tempo...
Portanto, nada de murmurações.
Sigo pintando o meu quadro com os tons que tenho às mãos.
Buscando novos também no arco-íris da vida.
Espero imensamente encontrá-los.
Deus, me conduza por favor, à fonte das cores!
Às águas mais lindas e coloridas que possam existir.
Quem sabe ainda hoje me concedas o verde, o azul ou o amarelo.
Ou coloques à minha frente uma variedade de nuances.
Ah, então o meu dia cinza de ontem daria lugar a um bem mais colorido hoje.
Mas, enquanto isto não acontece, faço bom uso do tons monocromáticos que tenho.
Sem sol, sem gota de água, sem um prisma sequer para fazer a divisão da luz em cores.
Contudo, expressando na tela da vida, da forma mais linda,
perfeita, delicada, suave e harmônica, que me é possível,
o retrato em preto e branco da minha existência.
E com muita esperança em Deus, sempre...

14 de jan. de 2009

Eu não quero escrever mais!


Eu não quero escrever mais. Escrever é bom, mas me toma um tempo considerável. As vezes, tenho a impressão de que a vida está passando lá fora e eu aqui dentro de um apartamento, digitando, digitando...
Fico dias trabalhando nos meus textos e sempre acho erros, quando os reviso. São como filhos para mim. Recebem meus cuidados diários. E ainda me deparo com o fato de um monte de gente ter pensado as mesmas coisas que eu e já tê-las registrado primeiro. Penso: nada de original nos meus escritos...
Hoje então está um calor insuportável. Melhor seria se eu estivesse caminhando na orla com a minha família. Afinal de contas, é verão! Mas, estou aqui, escrevendo algumas linhas que creio: não me levarão à lugar nenhum! Várias "Letras vomitadas ao vento"(título do livro de um amigo meu lá do Paraná, o Samuel).
Acho que inventaram esta tal de escrita para prender os bobos. Enquanto fico aqui escrevendo no meu diário eletrônico e me julgando "a intelectual", deixo de lutar por meus objetivos. Cada dia precioso da minha vida, são momentos que passam e não voltam mais; um tempo perdido que não se pode mais resgatar.
Escrever é somente para um pequeno número de privilegiados que podem se dar ao luxo e não para mim que preciso matar um leão por dia para sobreviver; que preciso me preocupar com contas para pagar no fim do mês ou coisas desta natureza. Por isso, não vou escrever mais. Estou aqui me despedindo desta viagem ao mundo das letras que me foi muito útil por um certo tempo, talvez até como fuga da realidade; uma espécie de válvula de escape, sei lá!
Nas madrugadas, as idéias me vinham: eu ficava horas e mais horas a organizá-las na na mente para de manhã bem cedo, antes mesmo de tomar um café, expressá-las, torná-las reais. Como se só me restasse isto para fazer na vida: Pensar, escrever, viver!
Por um momento foi realmente minha forma de existir no mundo. Parei com tudo só por causa da escrita. Por alguns dias deixei de lado até minha família.
Nesta ânsia pelo "ser", acabei contraditoriamente me esquecendo de mim mesma. E na busca por provar a minha existência, terminei por negá-la completamente.
Mergulhei de forma intensa neste profundo oceano - o literário.
Coisa confusa esta!
Melhor me foi o ato de escrever do que o deparar com a minha atual e desafiadora situação.
Na verdade, houve até certos pontos positivos: treinei a língua portuguesa escrita; recebi comentários sobre meus textos que me alegraram muito e sustentei por algum tempo a minha esperança de um dia ser uma escritora de verdade. Pena que esta durou bem pouco. Os elogios, foram todos muito benvindos, mas o fato é que despertei dos meus delírios; me levantei e saí da frente do meu computador; respirei fundo e decidi ir
à luta!
Resolvi então ver como estava o mundo lá fora. Quase desfaleci quando vi tanta gente na peleja vagando pelas ruas da cidade. Eu sou só mais uma destas, pensei cá com os meus botões.
Apenas mais uma na batalha pela sobrevivência.
Fiquei pensando em algo para fazer que me pudesse gerar capital e Cheguei a triste conclusão: eu não tenho o mínimo talento para ganhar dinheiro.
Pensei outra vez com meus botões: deveria sim, era ter ficado em casa, bem quietinha, como o inseto da obra : "A Metamorfose", do Kafka.
Olhar a multidão em nada me ajudou além de me causar uma enorme frustração e sensação de insegurança.
Saber que daquele meio, bem poucos alcançarão seus objetivos ou mesmo subsistirão.
Todos correndo para embarcar no trem da vida sem saber ao certo o ponto de chegada.
-Que agonia!
E só agora parei para pensar em tudo isso.
Misericórdia Deus!
Muitos me condenariam pelo fato de me apegar à Deus nestas circunstâncias, mas na minha concepção é só Deus, mesmo!
A fé é que me tranquiliza o coração, possibilitando-me atravessar pelo mar da vida sem me afogar:
E sigo nesta minha difícil trajetória, confiante na vitória que certamente um dia experimentarei.
Eu acredito em Deus mesmo e ponto final.
Sei que tudo isso passará, mas, escrever não vou mais e isto por um bom tempo. Preciso agir, fazer algo que não tenho a mínima idéia do que seja.
Já pensei em tantas coisas!
Todavia, escrever?
Por um bom tempo, não vou mais não!
Escrever alivia a alma, mas não paga as contas.
Até algum dia!

8 de jan. de 2009

Maria Morena

"Baile na roça"- óleo sobre tela -(Di Cavalcanti)

Faz tempo que quero contar esta história. Busco nas formas - a melhor; a mais linda e poética que se possa existir, na minha realidade de escritora amadora, para escrevê-la. Preparo o ambiente. Estou ouvindo a Jessye Norman. Escolhi esta trilha sonora como fundo musical. Já Ouvi também "Una furtiva lágrima" na linda voz do Pavarotti. Elejo estas canções como as mais perfeitas para este momento. Não me perguntem por qual razão. Mas, música faz isto comigo. Me inspira das maneiras mais inusitadas que se pode imaginar. Respiro fundo...
Sei que daqui para frente viverei emoções fortíssimas...
O dia está propício. Uma chuva fina e persistente cai lá fora. Acordei nostálgica. Considero hoje a vida muito bela !
Como bela foi a vida da Maria, a Vicentina. Nascida no sertão mineiro, no mês de julho, a segunda filha da Dona das Dores e do Senhor Sebastião Joviano. O nome, uma sincera homenagem à São Vicente de Paula. As denominações filiais por parte da dona das Dores sempre muito influenciadas por sua crença religiosa - católica que era. José, Maria Vicentina, Rita, Jorge, Catarina, Luzia, Teresa, Aparecida, Benedita, Carlos, Sebastião. A chegada da Maria ao mundo, não foi diferente da dos demais irmãos e moradores da redondeza, ocorreu por mãos de parteira, sem maiores eventualidades. Nascia uma Maria com saúde - dádiva de Deus.
Dos onze filhos da dona das Dores apenas dois morreram: A Aparecida e o Carlos. Aparecida sofrera queimadura; a água que fervia sobre o fogão de lenhas se derramou sobre ela. As feridas foram curadas com clara de ovo. Veio a falecer algum tempo depois disso, por disenteria. Carlos aos seis anos de idade. Pensaram estar sua morte relacionada ao fato de ingerir mandioca à noite. Sofrera congestão e consequente ataque do coração. Os demais seguiram o curso da vida. Cada um tecendo a sua história, como a uma rede existencial. A da Maria, eu estou aqui registrando neste humilde escrito. Devo isto e muito mais a ela. Tudo o que for escrito nessas linhas daqui por diante será dedicado à sua memória . É o mínimo que posso fazer em agradecimento; o mínimo que posso fazer...
A casa era de pau-a-pique. O assoalho de chão batido, mas tudo muito limpo. As latas que serviam como panelas sempre bem lustradas, areiadas. Era possível ver o rosto refletido nelas. A areia vinha de um riacho bem próximo dali.
Seu Sebastião, trabalhava na roça e por isso acordava bem cedo para drenar o brejo e prepará-lo para o plantio do arroz. José e Maria, já um tanto crescidos passaram a acompanhar o pai na lida. Despertavam por volta das seis da manhã. Seu Tião sentia pena de acordá-los tão cedo. No caminho existia a mata do Alípio. Tinham muito medo da mata do Alípio. Diziam existir ali corpo seco. Uma espécie de lenda rural que muito assustava os moradores do vilarejo que se atreviam a passar por aquelas redondezas; um homem muito alto e magro que assombrava os transeuntes desavisados. Contavam também do tal boiadeiro montado em seu cavalo preto e com sua capa preta. Este, Maria garantiu que viu quando voltavam de um casamento lá da roça. O tal homem passou rápido por eles e disse:
- Boa Noite!
Apesar dos medos, repetiam aquele ato todos os dias. Seu Tião se encaminhava à roça, antes mesmo do cantar do galo. Dali tirava o sustento da família. Plantações de arroz, milho, feijão, mandioca, verduras, criações de galinhas e porcos alimentavam treze pessoas. Até que aconteceu algo diferente: O Seu Sebastião resolveu sair dali.
Não se sabe exatamente por qual razão. O fato é que decidiu juntar as tralhas e a filharada e se dirigir de Minas gerais para a serra de Angra. Dona das Dores foi de trem com a filharada. Seu Tião com o embornal cheio de galinhas seguiu pelos trilhos à pé. Caminhou horas até chegar ao destino. Lá encontrou-se com a família. Da Serra de Angra, Maria tinha vagas lembranças: do frio que se fazia naquele lugar e de um galpão onde se alojavam várias famílias; fogueiras espalhadas por todos os cantos, para preparo do alimento e cada grupo tinha a sua.
Acontecia das famílias se ajuntarem e com isso compartilharem o pão. Ficaram ali pouco tempo. Depois desceram da Serra até Amparo, distrito de Barra Mansa. Lá seu Tião se instalou com os seus na Fazenda Nossa Senhora do Amparo. As crianças passaram a estudar na escolinha da fazenda. Maria Vicentina, muito esperta, logo aprendeu a ler e escrever e como já tinha uma educação, foi logo enviada a trabalhar em casa de família, na casa da comadre. Seu Sebastião aprendeu a lidar com gados. Cuidava e tirava leite das vacas para venda. O salário deixava quase todo na venda da fazenda. Ali adquiria o querosene para a lamparina, o fumo de rolo, para o cigarro de palha de milho, e os alimentos para a filharada. Depois mudou-se para Volta Redonda e perseverou no trabalho rural, ainda com gados e retirada de leite. O ganho, ainda ficava quase todo na venda dessa nova fazenda. Levava todos os dias o leite para casa e algumas verduras plantadas por ele no local de trabalho . Pagava aluguel de uma casinha simples lá na Água Limpa. Seu Sebastião era caboclo negro e Maria das dores de pele negra também, porém, um tanto mais clara. Maria das Dores cultivava por ele muito amor. Várias discussões foram presenciadas e Maria das Dores dizia sempre assim:
- Tu Bastião com esse zói de sapo debaixo da pedra!
Depois dessa declaração fazia inúmeras acusações, demonstrando um ciúmes doentio de Sebastião com as comadres.
Seu Tião era homem muito calmo e temente a Deus. Nunca se exaltava. Ficava sempre quieto. Jamais comia sem antes agradecer a Deus pelo alimento. Balbuciava suas rezas por um bom tempo antes de degustar o alimento. Estivesse com a fome que estivesse. Ao final fazia o sinal da cruz encerrando o período devocional. Realizava tal ato religiosamente. Jamais se esquecia. A única vez que se irou foi com um rapaz que disse que se a Maria não continuasse namorando com ele lhe racharia os dentes. Seu Tião, não pensou duas vezes e Lançando mão da foice, partiu para cima do sacatraca. O infeliz desapareceu do mapa e nunca mais se teve notícias dele. Nem apareceu mais por aquelas bandas...
Bem... Enquanto Seu Sebastião continuava na fazenda, Maria foi encaminhada para trabalhar na casa do seu Pequetito Amorim e da Dona Clélia, compadre e comadre que moravam na cidade.
Tinha nessa época doze anos: moreninha, trigueira, cabelos longos, crespos, presos em tranças. Muito trabalhadeira e esperta. Na roça , quando faltava comida a iniciativa era de ir até as comadres e pedir um pouco de qualquer coisa. Levava sempre uma surra da mãe Dona das Dores, que depois recolhia o arrecadado por Maria e preparava para alimentar os demais irmãos. A Rita também foi trabalhar na cidade. A Rita já não era tão pacífica assim. Reza a lenda que cuspiu na salada da patroa nojenta, que lhe tratava mal. Maria deu mais sorte. Na casa do seu pequetito Amorim, o tratamento era melhor, embora o serviço fosse muito. A casa do seu Pequetito, consistia num balancinho de dois andares. Na base da mesma havia um degrau, onde vários rapazes se assentavam para prosear rotineiramente nas tardes de calor. Uma espécie de esquina do pecado. O seu Pequetito era pessoa muito querida ali de Niterói. Morava bem próximo à igrejinha de Santo Antônio, a primeira capela da cidade. Ele era também o grande responsável pelos bailes que entretiam a mocidade do local. Trazia os sanfoneiros de longe com o seu caminhãozinho. Transportava os conhecidos e compadres de Amparo e levava também para lá os moradores de Niterói para os bailes de casamento, que muitas vezes duravam até três dias. Presença marcante ali e uma figura bastante conhecida pelos galanteios às moças do local, o tal do Rubem. Usava um terno diferente por dia. Um para cada dia da semana e tinha orgulho disso. O sapato era de cromo alemão, devidamenete engraxado e lustrado. No cabelo, muito penteado, trazia um topete bem cuidado. Pé de valsa dos melhores. Já trabalhava na Usina. Foi criado só pela mãe. Era o único homem da família de duas irmãs: Ondina e Neyde. A Ondina, uma figura bem popular, sem os rebuscados das donzelas da sua idade, já tinha um espírito de vanguarda. Usava calças compridas, andava de bicicleta. Coisas incomuns às moças da época. Também gostava de acompanhar as partidas de futebol do Avenida Futebol Clube. Trabalhava ajudando a mãe, como lavadeira - ofício que lhe rendeu um certo conforto material e independência financeira. Dizia de boca cheia que não precisava de homem para nada. A única e última vez que pediu algo foi ao seu suposto pai, o qual lhe deu como resposta um sonoro não e um tapa na face:
- que fosse trabalhar se quizesse algo na vida.
O tal conselho, seguiu rigorosamente por toda a sua trajetória, como mulher de brios que era. Ninguém lavava e passava como Ondina. Começou cuidando das roupas dos fregueses nas margens do Rio Paraíba do Sul. Naqueles tempos as águas eram claras. Podia-se ver as pedrinhas no fundo...
Namorou um homem de nome Moacyr, ex- combatente da segunda guerra mundial, por quem nutriu uma forte paixão. Sofreu decepção. O dito cujo já era noivo de outra. Tendo ela descoberto o fato, rompeu imediatamente as relações. Não se interessou que se saiba, a partir deste triste episódio, por mais nenhum outro homem. Optou pela solteirice e nela se encontra até hoje. Mas, guarda com carinho as cartas de amor, já amareladas pelo tempo, do seu primeiro e único namorado. A Neyde, mais jovem e vaidosa, teve um bom casamento; não se misturava muito com as pessoas do lugar e gostava de frequentar o Aero Clube, no tempo em que lá não se admitia ainda a presença de negros.
A Ondina nunca concordou com isto. Preferia passar bem longe do nojento do Aéro Clube. O tal do Rubem, único homem no meio das mulheres, nas horas vagas se assentava nos degraus da casa do seu Pequetito para jogar conversa fora.
Lá, o assunto da hora era falar acerca das aventuras amorosas ocorridas nos bailes do fim de semana. Rubem , vinte e dois anos, aclamado pelo público feminino local como conquistador.
Maria inclina-se no peitoril da janela, depois de todos os seus afazeres domésticos; Isto, para satisfazer sua curiosidade de menina na flor da idade. Queria observar os movimentos da rua. O burburinho das conversas e das risadas dos rapazes, subiam até o andar de cima.
Fez isso como criança que era; garota arteira que em uma determinada ocasião chegou a urinar na caneca de um velho que passava sempre pela vila. Todas as vezes ele pedia água à sua mãe. Era um caixeiro viajante que sempre visitava àquelas bandas.
Dona Maria das Dores dizia assim à Maria:
- Traz lá àgua pro moço, Menina!
E como o homem não poupava gracejos assanhados à Maria, o que a irritava enormemente, resolveu planejar a vingança, fazendo-lhe "xixi" na caneca.
O moço ao beber o conteúdo da caneca, logo declarou cuspindo de uma só vez:
- Essa água está saloba!!!
Maria ficou como gatinha do rabo fino. Sonsa, apenas sorriu no seu íntimo.
Foi essa mesma Maria, levada e curiosa, que debruçou no peitoril da janela; e ao olhar para baixo, inesperadamente, permitiu que seus negros olhos se cruzassem com os olhos do tal do Rubem. O rapaz enviou como resposta, o mostrar da língua. Maria, cabocla, logo se escondeu. Retirou-se rapidamente, envergonhada. Ali, exatamente ali nasceu uma arrebatada e inexplicável paixão em seu coraçãozinho pueril. Um amor tão forte, que quase lhe arrebentava o peito de menina. Maria já não queria saber do cheiro e nem da vida da fazenda. Daquele dia em diante quiz trocar seus vestidos de chita por vestidinhos bem mais elaborados. Já pensou em colocar sapatos, embora, os mesmos não se ajustassem tão bem aos seus pés, tão acostumados a andar descalços pelo chão de terra, lá nos caminhos da roça. Sonhou com laços de fita no cabelo que ressaltassem sua beleza brejeira. Para os rapazes da roça, já nem olhava mais. Nem uma piscadela sequer lhes concedia. Começou a se tornar mais presente nos bailes organizados pelo seu Pequetito. Ainda que de forma bem tímida. E, sózinha, ensaiou os primeiros passos das danças. Aos poucos foi se introduzindo no cenário social. Mas, sem causar grande impácto.
Foi chegando de mansinho...
O tal do Rubem só dançava com ela na ausência de melhores companhias. Desconhecia totalmente os sentimentos de Maria. Para ele apenas uma menina, uma menina brejeira, uma menina da roça. Dançava com a Maria inocentemente sem os assanhamentos tão comuns aplicados às outras jovens, com as quais normalmente deslizava pelo salão.
Dançava simplesmente pelo prazer de dançar.
Em sua mente nem lhe passava tais pensamentos acerca da moleca, que enchia os porta-seios de papel afim de não parecer tão nova aos olhos do rapaz.
Assim transcorreram os anos:
Maria dançando ...
Trabalhando...
Trabalhando...
Dançando...
E ao seu modo, guardando silêncio, sobre aquele sentimento que nutria pelo homem da cidade.
Muito embora já não fosse tão mais em silêncio assim.
Tudo nela já revelava a sua paixão. Seu olhar. O cheiro de mato que exalava já misturado com os aromas da cidade. O corpinho que tremulava ao mínimo toque do tal do Rubem durante as danças. Danças estas, pelas quais esperava muito e que só aconteciam raramente quando calhava das moças bem apessoadas da localidade, não comparecerem, como que em uma conspiração a seu favor. Nessas noites Maria bailava por todo o salão, como dama e dona da noite. A Senhora das Dores já desconfiada (mãe sempre percebe estas coisas) perguntava para a Maria:
- Quem é o tal do Rubem?
A Maria enrolava...
Enrolava...
Mostrava que era o sanfoneiro ou outra pessoa. Mas, o Rubem ela nunca, nunca apontava.
E dessa forma mesmo com a presença da mãe, com o Rubem ela sempre que podia, dançava. A Dona das Dores começou a acompanhar mais a Maria, como mãe preocupada que era .
Também tomou conhecimento de uns fuxicos de comadres que lhe queriam bem e a alertavam acerca dos acontecimentos e do risco que a Maria corria de se envolver com o Tal do Rubem. Dona das Dores se tornou mais presente nos bailes do seu Pequetito.
Sondava...
Sondava...
E assim o cerco foi se apertando.
A comadre, Dona Clélia, ao tomar conhecimento do fato tentou secretamente desencorajar a Maria. Afinal, era um tanto responsável por ela. Teria que prestar contas aos compadres, de qualquer coisa que de mal lhe sucedesse. Numa de suas conversas falou:
- Maria coloque-se no seu lugar. Você acha que o tal do Rubem vai olhar para você, uma menina roceira?
Maria ouvia e se entristecia com suas colocações.
Mas, sonhava...
Como sonhava...
Esperou um pouco a poeira abaixar e só então retornou aos bailes. Nesse interim foi trabalhando...
Cuidando da casa e dos filhos da patroa.
Um certo tempo depois, e já com o peito cheio de saudades do seu amado, se aprontou ligeira para o baile. Tentava ser o mais discreta possível acerca de seus sentimentos. Diante de todos se mostrava indiferente. Sufocou como nunca a ansiedade de rever o Rubem depois de algum tempo, tempo este que mais lhe parecia uma eternidade de tanto que a saudade lhe corroía o coração.
O baile teve seu início como todos os outros: o sanfoneiro no seu devido posto, esticando a sanfona prá lá e prá cá; ouvia-se de longe o barulho do arrastar dos pés dos presentes; animado, como se fosse o último da vida.
No salão um vapor subia até o teto e o calor dos corpos em movimento tornava o local sufocante e quase insuportável, menos, é claro, para os mais fogosos e sensuais casais que dançavam extasiados ao som do fole.
Maria chegou no auge do evento, fazendo planos em sua mente de uma entrada triunfal no recinto lotado. Qual moça, que sempre sonha com um dia de Cinderela, com um príncipe e com sapatinho de cristal. Com um rápido olhar, buscou encontrar entre os ocupantes da sala, o tal do Rubem. Ninguém percebeu sua presença. Tão pouco o rapaz dos sonhos de Maria. Lá estava ele rodopiando com uma dama no salão, acompanhando o rítmo frenético da música. O vestido, de seda pura e azul celeste da moça, fazia ruídos aos giros perfeitos realizados pelo casal durante a dança. Disputavam incansáveis o restrito espaço ali existente com os demais casais que também bailavam eufóricos ao som da bela e envolvente melodia. Maria ao se deparar com a cena, sentiu como se o mundo parasse diante de seus olhos agora juvenis. Eram os primeiros sinais de ciúmes, sentimento horrível que lhe fora apresentado a partir daquele exato momento. Seu desejo foi que a terra se abrisse debaixo de seus pés. Algo tão forte que lhe queimava até a alma. Maria simplesmente e como respostas a tais sentimentos tão ainda novos e pouco decodificados por ela, sentiu a tristeza lhe pegar de surpresa.
Retribuiu com um inexplicável desejo de se afastar daquele local. Mas não, sem antes chorar. E com a mesma rapidez com que entrou, buscou descer as escadas que anteriomente lhe deram acesso ao tão sonhado lugar. Era este salão, o cenário, que com frequência desenhava em seus pensamentos e que preenchia boa parte dos seus devaneios juvenis. A pintura no rosto, feita com especial cuidado, agora, um borrado ocasionado pelas muitas lágrimas que teimosas lhes caiam dos olhos. Assim desceu a Maria as escadas, desconsolada, quando se deparou com o seu Pequetito, que sem dizer uma palavra, percebeu na jovem a dor mais forte que em uma pobre alma se pode existir - a dor do amor. Por quê outra razão estaria Maria sofrendo, não fosse por amor? Deduziu, o simpático senhor, em um só instante, que não seria nenhuma outra pessoa a não ser o tal do Rubem, o grande causador do drama e da angústia naquela menina-moça. Sorriu, com àquela sabedoria de mestre, entendido das coisas do amor. Meneou a cabeça e adentrou ao salão. Na primeira oportunidade, segurou nos braços do moço, conduzindo-o a um dos cantos da apertada sala, objetivando a revelação do grande segredo:
- A Maria desceu as escadas chorando, e é por causa docê!
Ah! Por que é que chegou aos ouvidos daquele homem a tão surpreendente revelação?
Foi como uma surpresa no primeiro momento, mas também como uma flecha a lhe ferir o peito. Uma flecha impregnada do veneno do amor. Fez uma ferida enorme. Uma chaga que só tinha uma cura, um remédio - a Maria.
O ecoar desse nome não lhe saia dos ouvidos.
Noite fosse...
Dia fosse...
Era somente o que ouvia: Maria.
Pensava:
é, já está crescida a Maria...
Nunca sentira algo semelhante. O tal do Rubem passou a melhor fixar os olhos na morena, observando-lhe mais atentamente as curvas, a cor da pele, o sorriso branco, o negro dos cabelos, cuidadosamente presos em tranças. Sua breijerice lhe causava agora tremores no coração e no corpo. Cada vez que Maria saía da casa a passear com as crianças da patroa, lá estava o tal do Rubem, para admirá-la. A esquina do seu Pequetito, daquele baile em diante, se tornou não somente um ponto de bate-papo, mas sim um local estratégico, uma espécie de mirante a lhe permitir satisfazer o desejo de contemplar àquela bela moça. Lá passou a comparecer com frequência redobrada. Desejava Maria mais do que a qualquer outra coisa desse mundo. Maria percebia os olhares que lhe eram dirigidos e devolvia com rubores e quentura na face. O tal do Rubem tratou logo, logo, de desmanchar um compromisso que tinha com a filha de um fazendeiro. Desfez a aliança por intermédio de um amigo. Nem se deu ao luxo de procurá-la para melhores explicações sobre o fim do noivado. A coitada, dizem as más línguas, sentiu muito com o término inesperado, súbito, do relacionamento. Coisas de um homem com coração apaixonado por outra mulher, cafajeste, sem dúvida alguma; mas, inegavelmente, muito apaixonado.
(Em nome do amor é que se deve perdoar tais atitudes. Somente em nome do amor...).
Resolvida esta questão, o romance com a Maria teve logo seu início. Começou ardente, culminando rapidamente na entrega dos corpos em busca da satisfação voluptuosa do desejo. Não demorou muito, Maria engravidou. Casaram-se contra a vontade da mãe do tal Rubem, que o tinha como arrimo de família. A mesma praguejava dizendo que o filho não seria feliz nem um dia sequer de sua vida ao lado da Maria. Acerca da prenhez, clamava aos quatro ventos que o tal do Rubem podia não ser o pai. Afirmava veementemente, se lançando de joelhos sobre o terreiro, com as mãos voltadas para o céu:
- Filhos das minha filhas, meus netos são. Filhos do meus filhos será ou não.
Mas, suas súplicas foram ineficazes. O Casamento da Maria e do Rubem ocorreu às pressas. Estavam Maria e o rapaz, para sempre, até que a morte os separassem, laçados, presos um ao outro, pelos sagrados votos do matrimônio. A Dona das Dores faleceu de ataque cardíaco e seu Tião alguns anos mais tarde. Os pais simples, na época, não pouparam defesa à filha. Aprovaram a decisão do moço. Concederam-lhe a mão da Maria. O tal Rubem teve que ir lá na casa do Seu Tião formalizar o pedido. Nesse dia foi muito bem tratado. Dona das Dores lhe serviu chuchu batidinho, bem temperadinho. Refeição esta, que nunca lhe saiu da memória. A cerimônia trancorreu simples, diante do juiz de paz. A Maria passou a ser do Rubem, Maria do Rubem e o Rubem, da Maria. Dessa união nasceram cinco rebentos. Dos quais, uma é esta que vos relata agora a história da vida bela da Maria.
Construiram um ninho...
Criaram seus filhos...
Se amaram...
Muitas vezes se desentederam e em todas elas se reconciliaram.
Choraram...
Sorriram...
E isto, por muitos e muitos anos...
Quantos natais...
Quantos carnavais...
Para enfim, como que seguindo ao curso natural do rio da vida, embarcassem então no frio barco da morte.
Morte esta, a única capaz de dar fim àquele amor, dar cabo à vida bela da maria. Mas, resta ainda a imensa saudade na memória de quem fica e a crença viva em um reencontro futuro.
Esta esperança estará sempre presente no coração de um cristão que acredita na imortalidade da alma.
Quantos amou e ainda ama a Maria...
Quem há que dela até hoje não se lembre?
Por esta e por outras razões, é que eu me despeço desta história dizendo tão somente:
- Até breve Menina-moça!
- Até breve seu moço!
- Até breve Maria!

1 de jan. de 2009

Explosão de Alegria


Oramos, eu e minha família agradecidos por um dois mil e oito que se findava, antes de nos dirigirmos à Copacabana. Pedimos à Deus um dois mil e nove melhor. Depois tomamos um ônibus, o 464. O passeio foi tranquilo e meu coração explodiu de alegria na travessia de Botafogo, em direção à princesinha do mar.
A euforia do povo que seguia a pé pelas ruas me estimulou. Aos gritos, a galera produzia um eco, no interior do túnel.
Tanta gente reunida lá, que me deu até medo. Mas, o clima definitivamente foi de completa paz. A areia repleta de todos os povos, línguas e nações. Um jovem pisou em uma canga estendida no chão que nem era nossa e ficou por vários minutos nos pedindo desculpas. Muitas barracas espalhadas na praia.
Gostei da estratégia da Polícia Militar, que se posicionou em módulos acima do nível do solo para observar a multidão de um ponto mais alto e privilegiado. São os ossos do ofício.
O sistema de transporte funcionou perfeitamente. A organização da festa foi impecável.
Caminhamos por boa parte da orla, até ao local onde aconteceriam os Shows.
A praia estava colorida de amarelo e branco, nas roupas das pessoas; as duas cores escolhidas e mais usadas no fim de ano.
A moda foi uma anteninha branca com os votos de feliz ano novo; muitos a usavam.
A música popular brasileira tornava ainda mais animado, o lugar.
Senti falta da minha irmã.
Pensei:
Ah... se ela estivésse aqui!
Ficaria tão feliz. A Neide gosta tanto de festas...
Havia famílias, muitas famílias reunidas no evento. Crianças corriam para lá e para cá.
Alguns tomavam banho de mar.
Por volta das vinte e duas horas caiu uma chuva fina, fresca. A noite estava muito quente. Aquela garoa foi muito benvinda.
A ocasião foi propícia também aos vendedores ambulantes que muito trabalharam para ganhar seu dinheirinho. Foram de total importância para suprir aquela multidão com água e alimentos.
Muito consumo de drinks e cerveja, infelizmente...
Porém, eu e minha família nos divertimos e sem uma gota de álcool.
Alugamos cadeiras e ficamos bem acomodados na praia.
Sambava de vez em quando, para queimar calorias acumuladas neste fim de ano.
A alegria era contagiante: todos ali dispostos a conceder trégua aos sofrimentos vividos em dois mil e oito; o sorriso estampado nos rostos dos presentes era quase uma lei.
Os mais acostumados nos ensinaram a caminhar na multidão sem que nos perdêssemos no alvoroço. A estratégia foi andar em fila indiana e de mãos dadas.
Foi maravilhoso!
Inesquecível!!!
Tiramos muitas fotos com o nosso celular: minhas, com o Mendes; da Thaís com o seu namorado, o Alexandre; fotografamos também o Rubinho.
Veio então a contagem regressiva. Meu coração acelerou neste instante. A explosão dos fogos - o show de pontos luminosos e coloridos no céu.
Deslumbrante!
Todos se abraçando. Casais se beijando agradecidos por se amarem tanto no ano que passou e com esperança de continuarem juntos no novo ano.
Comigo não foi diferente: Beijei meu marido e meus filhos.
Foi um momento para se guardar na memória. Só será superado pela próxima festa de reveillon.
Lindo!
Perfeito!
Quero vivê-lo novamente...
Por muitos e muitos anos...