Páginas

30 de dez. de 2008

Jardim da Saudade


O que dizer agora?
Nada!
Absolutamente, nada!
Se até as músicas são feitas de pausas e sons,
então, por direito eu me recolho inicialmente às quietudes do jardim da saudade da minha alma.
Feito assim, a vida segue então o seu curso como um rio;
e isto independente das alegrias e decepções que sofro.
"Há tempo para todas as coisas:
tempo de falar e tempo de estar em silêncio."

E eu me calo e falo.
Há momentos em que eu simplesmente me calo
e outros em que verbalizo horas a fio,
numa tentativa desesperada de ser compreendida.
Dia desses aí, foi o meu aniversário.
Um dia de grandes revelações e de muitas reflexões.
Dia feliz...
Dia triste...
Mas já foi!
Passou!
Mais trapos lançados no meu baú.
Quem sabe um dia me sejam úteis.
Quem sabe um dia eu faça uso deles.
Numa boneca de pano talvez?!
Para alegrar o coração de alguma menina.
Ou que me sirvam os pedacinhos de trapos como remendos?
Remendos a serem deitados,
nesta colorida colcha de retalhos que sou.
Pode até ser que os tais fiquem esquecidos para sempre;
que não me sirvam para mais nada;
que apodreçam e desapareçam com o tempo
corroídos por traças,
lá no fundo do baú,
aquele que guardo no interior do meu ser.
Sei lá!
Pode ser!
Quem sabe?
Quem vai saber?

27 de dez. de 2008

Seu Silvério e Dona Pulcina


Na varanda da casa da esquina, ficava o seu Silvério assentado com a sua sanfona. Inseparáveis!
Era sempre uma mesma música que tocava : Fom! Forom! Forom! Fom! Forom!
Quase toda tarde de domingo, cursava assim, com a sanfona do Seu Silvério em plena atividade.
Outras cenas se repetiam com frequência:
A Dona Pulcina, sua esposa, sempre cozinhando em seu fogão de lenhas, lavando e passando as roupas das madames;
Os muitos lençóis estendidos no varal, branquinhos de dar gosto.
A Dona Pulcina sempre pedindo para a criançada não ficar zanzando entre as roupas de seus fregueses e muito menos esfregando a mão suja de terra de quintal, nos panos que ela lavava com tanto esmero.
Trocavam informações, ela e a tia Ondina, sobre truques para se retirar as manchas das roupas e assuntos do gênero.
A tia Ondina também era lavadeira e das boas. Só que minha tia já não tinha tanta paciência com a criançada. Espantava aos gritos, o bando e ai de quem ficava na sua reta nesta hora, levava sopapos na cabeça com sua mão pesada. Para isto bastava somente aproximar-se dos inúmeros varais estendidos no terreiro ou das roupas que quaravam ao sol, em cima da grama.
Da Dona Pulcina também me lembro dos chouriços feitos do sangue e da tripa do porco, bem temperadinhos com alho, pimenta calabresa e cebolinha.
Uma delícia!
Por várias vezes a vi preparando esta iguaria.
Ela engordava os leitões durante todo o ano, com os restos de comida doados pelos amigos locais.
Em dezembro sacrificava dois dos bichos já bem graúdos. Então, dividia as partes com a vizinhança.
Dava pena dos bichinhos, mas, minha mãe sempre me convencia de que aquela forma de morrer, era mesmo a sina dos animais.
Os dois eram padrinhos de batismo da minha irmã.
O Seu Silvério era uma figura muito querida. Sempre muito carinhoso com minha irmã. Continuamente a abençoava e lhe entregava um cruzeiro da época.
Eu, menina, observava todas estas coisas e ficava admirada. Ele frequentemente fazia a mesma pergunta:
- Hoje é dia vinte e cinco?
Dia vinte e cinco era a data de recebimento do seu benefício de aposentadoria. Avançado em idade e já com a memória débil, mas do dia vinte e cinco ele jamais se esquecia.
Estou me lembrando do seu Silvério neste momento. Estávamos, em família, conversando sobre ele no dia de Natal.
Pessoas como este senhor nos trazem sempre boas recordações. Ficava ali, na varanda, tocando sua sanfona, esticando o fole para lá e para cá . E dançávamos ao rítmo repetitivo da música que ele animadamente executava.
Aquele velhinho nunca incomodava a ninguém.
Não tenho muitas informações sobre a sua vida.
Quisera ter mais detalhes da sua linda existência, mas só consegui registrar alguns trechos da história do Seu Silvério aqui neste conto.
Ele desapareceu assim do nada. Não se sabe o que aconteceu. O consenso geral foi que caiu no Paraíba e se afogou e o corpo nunca foi encontrado.
O Velho tinha o hábito de recolher gravetos nas margens do rio para alimentar a chama do fogão de lenha. Ficou então a lenda de que o Seu Silvério morreu nas águas do Rio Paraíba do Sul.
Bem, assim terminou a história do simpático Padrinho da minha irmã.
A Dona Pulcina, esta pelo que sei, já bem avançada em idade, terminou seus dias em uma casa de repouso.
Que Deus os conserve em um bom lugar!